O 1º ano do novo governo Talibã e o sofrimento de mulheres afegãs
Sob o controle de um governo que, mergulhado em seu radicalismo, semeia o ódio à figura feminina, as mulheres do Afeganistão sofrem com o retorno do Talibã ao poder há um ano.
Com ainda menos acesso à educação, expulsas de cargos públicos e impedidas de exercerem suas profissões, elas se encontram desamparadas desde a queda da capital, Cabul, em 15 de agosto de 2021.
Naqueles dias, as imagens de milhares de afegãos desesperados no aeroporto da capital, na tentativa de deixar o país, chocaram o mundo. Diante do terror de um novo governo do Talibã, pessoas morreram ao tentar se agarrar nos aviões americanos que decolavam do aeroporto de Cabul.
Todo o desespero, entretanto, se justificou. Ao contrário do que os governantes haviam prometido, um ano após a retomad, as mulheres voltaram a ser invisíveis. Elas estão proibidas de percorrer mais de 70 km sem estar acompanhadas por um homem da família, são orientadas a ficar em casa e a usar a burca para que seu corpo e rosto fiquem cobertos.
Além disso, sem a ajuda dos EUA, o país mergulhou em uma crise socioeconômica ainda mais grave, e a fome severa é muito presente na região.
A Anistia Internacional realizou uma pesquisa sobre a situação de mulheres e meninas afegãs sob o domínio do Talibã de setembro de 2021 a junho de 2022. A pesquisa foi publicada no mês passado e revela que a situação do país é tão grave que famílias locais vendem suas filhas ao Talibã por não terem condições de sustentá-las.
Khorsheed, uma mulher de 35 anos de uma província no centro do Afeganistão, disse à Anistia Internacional que a crise econômica a fez casar sua filha de 13 anos com um vizinho de 30 anos, em setembro de 2021, por cerca de 670 dólares (R$ 3.658). Ela disse que se sentiu aliviada após a venda, já que sua filha não vai mais sentir fome.
O documento ainda revela que, ”de acordo com quatro indivíduos que trabalhavam em centros de detenção administrados pelo Talibã, o grupo prende mulheres e meninas por violarem suas políticas discriminatórias, como as regras contra aparecer em público sem um homem da família".
“As afegãs detidas arbitrariamente por suposta ’corrupção moral’ ou por fugirem de abusos
não têm acesso a aconselhamento jurídico, são submetidas a torturas, bem como a condições desumanas de detenção”, conclui.
A professora da USP (Universidade de São Paulo) Francirosy Campos Barbosa, pós-doutoranda em teologia islâmica pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, afirma que os americanos fizeram uma retirada “extremamente apressada” do país.
“Deixaram o Afeganistão para trás totalmente empobrecido. Além de todos os retrocessos do Talibã, não podemos deixar de olhar para um ‘governo estabilizador’ que permaneceu por 20 anos e que pouco fez pelo crescimento econômico, social e político da região." De acordo com a professora, pelo Islã, as mulheres têm direito ao trabalho e ao estudo desde o século 7º, mas o Talibã faz uma releitura dessas questões.
Ela explica que em meio ao controle americano não houve um incentivo maciço à alfabetização das mulheres e à eliminação da pobreza. Quando os EUA deixaram o país, apenas 24% das mulheres eram alfabetizadas e só 21% tinham acesso ao ensino superior. Com a volta do Talibã, a realidade se tornou ainda mais trágica.
”Em alguns casos, as meninas conseguem com facilidade ir à escola até cerca de seus 12 ou 13 anos, período em que normalmente ocorre a primeira menstruação e em que, nos países islâmicos, elas começam a cobrir a cabeça com o hijab. Nessa faixa etária, a evasão escolar
ocorre devido à repressão do Talibã, já que não existe a garantia de que não serão punidas durante o caminho à escola”, diz.
No ensino superior, o Talibã exigiu que homens e mulheres estudem em salas de aula diferentes. Elas não podem frequentar as aulas no período noturno e surgiram denúncias de que foram afastadas de muitos cursos. Além disso, as instituições de ensino sofrem com a falta de docentes, já que muitos saíram do Afeganistão após a instauração do novo governo.
A especialista Francisrosy Barbosa diz que a ajuda ocidental ocorreu com o recebimento dos refugiados afegãos, mas não houve um auxílio direto ao país direcionado ao combate à fome e à garantia dos direitos humanos.
Para a professora da USP, o discurso americano da "guerra ao terror", tão popular no começo dos anos 2000, se enfraqueceu. Agora, o Afeganistão se encontra "por conta própria". “Não existe ajuda para suprimentos médicos e alimentares, o país passa por uma grave repressão econômica e a resistência feminina está sem apoio.”
“Muito desse retrocesso que vemos hoje no Afeganistão poderia ter sido evitado se os EUA tivessem saído de forma estratégica, no sentido de deixar questões consolidadas dentro do país", afirma.
"Além de privar as mulheres dos direitos humanos, o Talibã também as priva dos direitos islâmicos, a partir do momento que as proíbe de estudar e trabalhar."
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